Denise Giacomini e Susan Mendes

RAÍZES DA PEDRA

 Fui criado no mato e aprendi a gostar das coisinhas do chão –  Antes que das coisas celestiais.

(Manoel de Barros, do Livro Retrato do Artista Quando Coisa)

Assim, sem comentários, Van Gogh escreveu:“Provavelmente, a vida é redonda.” (Gaston Bachelard, A Poética do Espaço)

Não há como falar da arte de Denise Giacomoni sem antes falar dela própria. Quem a conhece sabe de sua estreita ligação com a terra e tudo que a circunda. Importa muito também a questão geográfica. Por mais que circunde o mundo, sempre voltará às raízes; a sua terra natal.

O sitio é o seu laboratório natural, lugar que investiga tudo o que nele encontra. Observa e tenta compreender a lógica da natureza. Ali, se transforma em catadora de formas. Olha para a terra e vê raízes expostas, as enxerga como veias em que circulam o sangue da natureza. Junto das raízes, as pedras, a água, os  galhos, as folhas secas, as penas de aves… Ela usufrui de cada minuto, de cada coisa que toca. Tal qual a criança encantada com os novos brinquedos.

Denise segue traçando e colecionando seu inventário pessoal. O lúdico habita  nela. Em um verso, Paul Claudel diz:“Quem mordeu a terra, conserva-lhe o gosto entre os dentes.”  (Gaston Bachelar, A Terra e os Devaneios do Repouso)

Não é de hoje que ela pinta. Também já experimentou outras formas de expressão plástica. Mas, elegeu a pintura.

Nesta exposição, Denise nos mostra pinturas abstratas e uma forma que se repete. Desenho este que nos remete a forma mais elementar da natureza: o círculo. O redondo com todas as suas possibilidades e variações de desenho e cor.

As pedras, as raízes, as árvores, o corpo humano, o globo terrestre… Tudo é redondo. A natureza não produz quinas. Tudo nela é circular. Até mesmo o menor grão de areia que, ampliado, mostra sua forma arredondada. A pedra nasceu para ser selvagem, solta como seixos ou encravada em montanhas.

As pinturas desta mostra recriam a natureza circular. Também trazem cores leves, com a predominância do branco, o qual, aliás, contêm todas as cores e traz beleza a este conjunto de obras. Brindemos com a Denise por esse momento tão especial.

 

… E, na paisagem arredondada, tudo parece repousar.(Gaston Bachelard, A Poética Do Espaço)

 

Julho de 2015

Elizethe Lou Borghetti

Artista Plástica

 

 

Perfeita Imperfeição

 

Adoramos a perfeição, porque não a podemos ter; repugna-la-íamos se a tivéssemos. O perfeito é o desumano porque o humano é imperfeito. (Fernando Pessoa, Livro do Desassossego)

 

Susan Mendes usou, para o título de sua primeira exposição individual, duas palavras que se opõem na forma e no significado. Mas, na arte os significados são mais subjetivos. Nem sempre o que é perfeito é belo e, nem sempre, o que é imperfeito é feio. Nas suas figuras femininas, Susan trabalha a forma da mulher real, com seus volumes e curvas. Mas é preciso considerar, antes de qualquer coisa, que estamos falando de pintura. Botero em uma de suas entrevistas proclamou que não pinto só figuras volumosas. O que de fato me interessa é o volume e são formas sensuais. Não estou aqui fazendo análises psicológicas das minhas figuras volumosas. Quero falar de pintura, da boa pintura e de seus desafios.

Susan desenha de modo incansável. Usa vários tipos de materiais. Faz colagens e incisões sobre papelão. Este, um tipo de papel resistente com miolo ondulado que um dia serviu para caixas de mercadorias e, agora, ganha novo e nobre uso. Recolhe fardos desta sucata nas ruas, não apenas com a intenção  de reciclar, mas porque percebe força neste suporte. Força esta que aparece nas suas imagens.

Quando olho para o trabalho da Susan, pergunto-me: — Estamos diante de desenhos, de pinturas ou, quem sabe, de esculturas? Estamos acostumados a classificar e a conceituar as coisas de modo lógico, mas nem sempre é tão fácil. Penso que, neste caso, temos um pouco de cada. Como disse Mário Quintana: Por que prender a vida em conceitos e normas? / O Belo e o Feio.., o Bom e o Mau… Dor e Prazer… / Tudo, afinal, são formas / E não degraus do Ser!

Gosto de observar a profunda conexão e concentração no seu fazer de “artífice”. Susan pensa e faz. Traz em seus trabalhos a beleza das linhas que formam desenhos precisos, a suavidade da pintura, quase como aquarela, mesmo quando o fundo é preto ou vermelho intenso. Essas mulheres volumosas parecem querer sair da tela. Elas se agigantam feito esculturas em busca dos pés. Susan tem o olhar voltado para as monumentais figuras de Michelangelo.

Olhando atentamente,  vemos ainda outra dicotomia, para além do perfeito imperfeito. Há, nestas mulheres, certo recato e silêncio, mas também a ousadia de musas. Uma voz que ecoa segura e sólida,  sensual e firme. Suas figuras chegam antes do nosso olhar encantado.

Nesta árdua tarefa de escrever sobre o universo criativo e tão particular, termino com um trecho de um dos meus livros prediletos: As coisas estão longe de ser todas tão tangíveis  e dizíveis quanto se nos pretendia fazer crer; a maior parte dos acontecimentos  é inexprimível e ocorre num espaço em que nenhuma palavra nunca pisou. Menos suscetíveis de expressão do que qualquer outra coisa são as obras de arte, seres misteriosos cuja vida perdura, ao lado da nossa efêmera. (Rainer Maria Rilke; Cartas a um jovem poeta)

Brindemos com Susan neste momento de pura emoção!

 

Elizethe Lou Borghetti

Artista Plástica